Obrigado, Kakay
Quem sou eu, um mero pequeno tirano, sem diploma de adevogado, para confrontar a sabedoria desse grande causídico, campeão do direito e da democracia, Kakay (perdão por usar o apelido, mas o próprio o usou como autor do artigo, então me senti liberado).
Kakay rebate um outro artigo, em que a autora comete uma heresia em auto grau, merecedora da fogueira reservada àqueles que desafiam o Estado Democrático de Direito encarnado no STF: colocou em dúvida a imparcialidade de Alexandre de Moraes como juiz do processo de golpe de Estado, por ter ele mesmo sido objeto de ameaça nos preparativos do golpe.
Kakay ilumina o caso com uma luz brilhante e ofuscante, além de várias citações em latim, para não deixar dúvidas sobre sua erudição e sabedoria. Imagine, diz o articulista, que todo criminoso ameaçasse o juiz durante o julgamento. Esse juiz, ameaçado que foi, teria que se considerar parte no processo. O criminoso poderia usar esse artifício até que o caso caísse nas mãos de um juiz de seu agrado. Xeque-mate.
Kakay, no entanto, parece desconsiderar o fato de que uma ameaça ao juiz do processo DURANTE o processo é um novo crime não relacionado ao objeto do processo. O que a advogada autora do artigo original defendeu foi a suspeição de Alexandre de Moraes porque recebeu ameaças ANTES do processo ser iniciado. Essa diferenciação parece óbvia demais para que uma sumidade como Kakay não a tenha percebido. Por isso falei “parece desconsiderar”, pois um advogado do calibre de Kakay jamais cometeria um erro tão primário a propósito. Deve ter sido um deslize, uma pisada de bola, uma gafe.
Kakay também teoriza sobre o “foro por crime”, prática inaugurada pelo STF, mas que carecia de um arcabouço teórico robusto. Segundo o articulista, trata-se de “crime grave e de competência do STF”, pois foram um “ataque à instituição STF”. Temos, então, o “foro por crime”, que se junta ao “foro privilegiado” como hipótese de julgamento pelo STF sem passar pelas instâncias inferiores. Kakay e STF sempre na vanguarda do direito.
Mas o melhor da tese de Kakay é o seu fundamento filosófico: se você pensa que as leis e o direito servem para defender os cidadãos da arbitrariedade do Estado, reveja os seus conceitos. O direito de um cidadão de ter um juiz natural e imparcial para julgar o seu processo é um abuso. É o Estado que deve ter o poder discricionário de escolher o juiz, quando se trata de proteger o Estado Democrático de Direito. Obrigado, Kakay, por nos ter iluminado o caminho.