Os fact checkers e o discurso político
Agora vou falar sobre um de meus assuntos preferidos: as agências de checagem de informações, os fact checkers, que perderão uma parte de sua receita após o Zucka decidir que não vai mais contratar os seus serviços. O choro está ensurdecedor.
Antes de mais nada, deixem-me esclarecer uma coisa importante: acho o trabalhyo das agências de fact checking super importante. Quando recebo um zap com uma notícia muito esquisita, com cheiro de teoria da conspiração ou de golpe, corro para ver o site boatos.org. Invariavelmente, está lá o esclarecimento, via de regra bastante completo. Me poupa um trabalhão de checagem.
O problema, no entanto, começa com a tentativa de checar discurso político, como se político tivesse a obrigação de falar verdades cientificamente provadas, ao invés de... discurso político! Quem me acompanha aqui há mais tempo, sabe da cisma que tenho com esse tipo de coisa. Até fundei a minha própria agência de checagem de informações, a Gutercheck, que checa a checagem das agências de checagem.
Fui dar uma olhada no que eu já tinha publicado a esse respeito. Foi muita coisa! A primeira vez que encasquetei com esse assunto foi na campanha eleitoral de 2018. Neste artigo, descrevo o que me incomoda nas agências de checagem quando o assunto é política: ficar na superfície dos fatos, perdendo o big picture da crítica política. Dou como exemplo uma foto engraçada de Fidel Castro com uma moça bem parecida com Dilma Rousseff, e que estava circulando como "prova" de que Dilma já convivia com Fidel desde moça. A foto era falsa, óbvio, mas o seu sentido era absolutamente verdadeiro. Afinal, a idolatria de Dilma por Fidel é inegável. Mas, adivinha, as agências de checagem pararam na falsidade da foto, sem aprofundar no seu sentido político. Ficaram em uma superfície inútil.
Em novembro de 2019, o colunista do NYT, Fareed Zakaria, acima de qualquer suspeita a respeito de suas credenciais democráticas, comenta como é difícil fazer checagem de informações em discursos políticos. Ele dá como exemplo um post de Donald Trump, e afirma que não é fácil, para o Facebook (rede onde foi publicado o post), distinguir o que é fake ali, apesar da reação furibunda da mídia e da oposição. O meu comentário a respeito está aqui.
Em agosto de 2022, inaugurei a minha própria agência de checagem, a Gutercheck. Em meu primeiro trabalho, desconstruí uma checagem de informações de uma entrevista de Tarcísio de Freitas.
Em setembro de 2022, a Gutercheck começou também a checar ilações de má-fé travestidas de "informações" em manchetes jornalísticas (aqui). Em dezembro do mesmo ano, a Gutercheck foi checar uma fala do futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad (aqui).
Esses são apenas alguns exemplos. Finalmente, em dezembro último, senti na pele o que o Zucka falou a respeito dos "filtros exagerados de conteúdo". Um post meu recebeu uma tarja de falso, com base em uma reportagem das eleições de 2020! Obviamente um erro, mas fiquei com fama de divulgador de fake news. Comento sobre erro dos fact checkers aqui.
Concluo: as agências de checagem de fatos são muito úteis para fatos, ainda que possam errar, como foi no meu caso descrito acima. Quando se trata de discurso político, no entanto, entram em uma seara que ultrapassa em muito o seu escopo e sua capacidade de discernimento, dando margem a interpretações, com ou sem razão, sobre as suas reais intenções. No final, desinformação parece ser tudo o que vai contra as minhas convicções ou meus interesses. Não tem como dar certo.
Direto e coerente. Gosto muito do teu trabalho!