Israel e a ONU - Cap.10: A busca pela paz
Paz é uma palavrinha adorável. Não há ninguém que não queira a paz e que não se diga defensor da paz. Todo mundo é da paz. Até que alguém lhe pise no calo.
A paz na Palestina é um tema recorrente nas resoluções da ONU. Já em 15/05/1947, 6 meses antes mesmo da resolução 181, que fez a partilha da Palestina entre árabes e judeus, a resolução 107
“apela a todos os governos e povos, e em particular aos habitantes da Palestina, a absterem-se da ameaça ou uso da força ou de qualquer outra ação que possa criar uma atmosfera prejudicial a uma rápida resolução da questão da Palestina.”
Em 11/12/1948, 7 meses depois da independência de Israel, a resolução 194 cria a Comissão de Conciliação para a Palestina, justamente para tentar mediar um processo de paz na região. A mesma resolução, em seu parágrafo 11,
“Resolve que os refugiados que desejam regressar às suas casas e viver em paz com os seus vizinhos devem ser autorizados a fazê-lo o mais cedo possível, e que deve ser paga uma compensação pelos bens daqueles que optem por não regressar e pela perda de ou danos à propriedade que, segundo os princípios do direito internacional ou por equidade, devam ser reparados pelos governos ou autoridades responsáveis.” (grifo meu).
Esta é a famosa resolução que determina o direito de regresso dos palestinos, que será relembrada ano após ano pelas resoluções da ONU, e que já foi extensivamente discutida no capítulo 2 desta série. Note como “viver em paz” é condição para o retorno.
Esta Comissão de Conciliação da ONU não conseguiu avançar.
Em 11/05/1949, um ano após a sua independência, Israel é admitido como Estado membro da ONU pela resolução 273. Para esta admissão, Israel é reconhecido como um Estado amante da paz.
A resolução 377, de 3/11/1950, estabelece uma Comissão de Observação da Paz, que terá a tarefa de
“observar e informar sobre a situação em qualquer área onde exista tensão internacional, cuja continuação seja suscetível de pôr em perigo a manutenção da paz internacional e segurança.”
Dentre os 14 membros dessa Comissão, encontram-se Israel e Iraque como representantes do Oriente Médio. Eram outros tempos.
A Guerra dos Seis dias, em junho de 1967, marca uma virada importante nas negociações de paz, principalmente porque Israel ocupa territórios árabes além das linhas de armistício da Guerra da Independência, de 1949. Todas as resoluções da ONU, a partir de então, solicitarão, como pré-condição para a paz, que Israel desocupe estes territórios, que se transformarão, em determinado momento, de “territórios árabes” em “territórios palestinos”. Em um dos primeiros debates a respeito, em 5/7/1967, o embaixador de Trinidad e Tobago resume bem a incongruência desse pedido:
“Vamos tentar assumir o lugar do outro. Se, como resultado desta guerra que começou em 5/6/1967, os Estados Árabes tivessem invadido o território israelense e ocupado o território israelense, em vez do contrário, e a Assembleia Geral tivesse pedido aos Estados Árabes que retirassem as suas tropas incondicionalmente do solo israelense enquanto Israel ainda afirmava que existia um estado de beligerância entre eles. Será que os Estados Árabes considerariam tal retirada? Não sentiriam eles que isto era apenas um artifício para dar a Israel a oportunidade, no primeiro momento conveniente, de renovar as hostilidades, quando talvez estivesse adequadamente rearmado, quando talvez o inimigo de Israel – digamos – não tivesse conhecimento do que estava acontecendo? Não, é irrealista e impraticável pedir a retirada das tropas e ainda manter firme e irrevogavelmente que existe um estado de beligerância.” (grifo meu).
Aí está o problema-chave: os árabes não renunciaram ao estado de beligerância na época. O primeiro que irá fazê-lo é o Egito, e somente em 1979. O segundo é a Jordânia, apenas em 1994. Até então, Israel viveu dentro de linhas de armistício, não eram fronteiras definitivas. E o mesmo se pode dizer em relação aos palestinos, que nem se sabe quem realmente os representa para negociar a paz e fronteiras definitivas. Mas estamos adiantando muito o carro à frente dos bois. Voltemos.
A resolução chave, e que servirá de referência para todas as resoluções posteriores, será a 242, aprovada no Conselho de Segurança por unanimidade em 22/11/1967, seis meses depois do fim da guerra. O Brasil fazia parte do CS nesta data.
A resolução é curta, e diz o seguinte:
“O Conselho de Segurança,
Expressando a sua contínua preocupação com a grave situação no Médio Oriente,
Enfatizando a inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra e a necessidade de trabalhar por uma paz justa e duradoura na qual todos os Estados da região possam viver em segurança,
Enfatizando ainda que todos os Estados Membros, ao aceitarem a Carta das Nações Unidas, assumiram o compromisso de agir de acordo com o Artigo 2 da Carta,
1. Afirma que o cumprimento dos princípios da Carta exige o estabelecimento de uma paz justa e duradoura no Oriente Médio, que deve incluir a aplicação dos seguintes princípios: (i) Retirada das forças armadas de Israel dos territórios ocupados no conflito recente; (ii) Cessação de todas as reivindicações ou estados de beligerância, e respeito e reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de cada Estado na área e do seu direito de viver em paz dentro de fronteiras seguras e reconhecidas, livres de ameaças ou atos de força;
2. Afirma ainda a necessidade de (a) garantir a liberdade de navegação pelas vias navegáveis internacionais na área; (b) alcançar uma solução justa para o problema dos refugiados; (c) garantir a inviolabilidade territorial e a independência política de todos os Estados da área, através de medidas que incluam o estabelecimento de zonas desmilitarizadas;
3. Solicita ao Secretário-Geral que designe um Representante Especial para se deslocar ao Oriente Médio para estabelecer e manter contatos com os Estados envolvidos, a fim de promover acordos e apoiar os esforços para alcançar uma solução pacífica e aceita, de acordo com as disposições e princípios desta resolução;
4. Solicita ao Secretário-Geral que informe o Conselho de Segurança sobre o progresso dos esforços do Representante Especial o mais rápido possível.”
Esta aprovação unânime é tão mais notável quanto mais se considera que Estados Unidos e União Soviética se colocavam em polos opostos desta contenda no Oriente Médio. Assim, os termos finais desta resolução devem ter sido cuidadosamente escolhidos para serem aceitos por ambas as partes.
A parte mais importante dessa resolução é aquela que prevê o “respeito e reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de cada Estado na área”.
Recuperando as discussões na sessão de aprovação desta resolução, podemos observar o ânimo de árabes e judeus em relação à disputa. O emissário sírio, em sua intervenção, diz o seguinte:
“Mas quando olhamos à volta desta mesa do Conselho, quando o futuro de toda uma região e o destino de todo um povo estão sendo decididos, ficamos impressionados com um fato anômalo, nomeadamente, que a parte diretamente envolvida, o povo árabe da Palestina, que deveriam ser os primeiros oradores a serem ouvidos – uma vez que nunca cederam os seus direitos inalienáveis a ninguém nem os perderam – estão totalmente ausentes do quadro. Nenhuma referência a eles é feita no projeto de resolução, exceto, tardiamente, na alínea (b) do parágrafo 2, como constituindo o problema dos refugiados. Sim, este é o povo árabe da Palestina, o povo desenraizado e despossuído no exílio, que clama por justiça há mais de vinte anos, sem até agora encontrar justiça nos conselhos do mundo.”
E continua:
“A Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, na verdade, todos os documentos internacionais relativos à infeliz história da Palestina, não pretendiam, de forma alguma, privar os povos dos seus direitos inalienáveis à autodeterminação nas suas próprias terras e do seu direito à sua terra natal, onde viveram por mais de dois mil anos; o que é pertinente aqui está consagrado no artigo 1º da Carta, ao qual não é feita qualquer referência no projeto de resolução.”
Podemos observar como o representante sírio, que representa o pensamento árabe, foca na questão dos árabes que viviam na região da Palestina e foram “expulsos” depois da formação do Estado de Israel. A peroração do embaixador sírio somente pode ser interpretada como o desejo de varrer Israel do mapa, usando a narrativa do pobre árabe palestino refugiado como justificativa. Obviamente, não há outra solução possível para a “autodeterminação do povo que viveu naquelas terras por 2000 anos”, a não ser devolver toda a terra. E não há como devolver toda a terra a não ser eliminando-se o Estado de Israel.
Os refugiados estavam, em sua maioria, localizados em Gaza e na Cisjordânia, territórios que pertenciam ao Egito e à Jordânia, respectivamente. Estes países poderiam liderar uma coalizão com seus irmãos da Nação Árabe para mitigar o sofrimento dos seus irmãos palestinos. Mas preferiram brandir um “direito de regresso” que significava, na prática, eliminar o Estado de Israel.
Já o representante de Israel diz o seguinte:
“A política do Governo e da nação de Israel permanece a mesma de quando a formulei nas reuniões do Conselho de Segurança de 13 e 16 de Novembro (1375ª e 1379ª reuniões), nomeadamente que devemos respeitar e manter plenamente a situação consagrada nos acordos de cessar-fogo até que seja sucedido por tratados de paz entre Israel e os Estados Árabes que ponham fim ao estado de guerra, estabeleçam fronteiras territoriais acordadas, reconhecidas e seguras, garantindo a livre navegação para todos os navios, incluindo os de Israel, em todas as vias navegáveis que vão de e para o Mar Vermelho, comprometendo todos os signatários com o reconhecimento e respeito permanente e mútuo da soberania, segurança e identidade nacional de todos os Estados do Oriente Médio, e proporcionando uma segurança estável e mutuamente garantida. Esse acordo de paz, diretamente negociado e confirmado contratualmente, criaria condições para que o problema dos refugiados pudesse ser resolvido de forma justa e eficaz através da cooperação internacional e regional.”
E o representante de Israel continua:
“Chegou a hora de adaptar a situação do Oriente Médio aos princípios e conceitos gerais que regulam a ordem internacional. Que acabemos, após 19 anos, com tréguas, armistícios e ‘linhas de demarcação baseadas em considerações militares’ que deixam problemas territoriais sem solução. As relações entre os Estados do Oriente Médio durante 19 anos têm sido frágeis, anômalas, indeterminadas e não resolvidas. Chegou a hora de construir um edifício estável e duradouro, dentro do qual os povos do Mediterrâneo Oriental possam prosseguir as suas vocações nacionais distintas e o seu destino regional comum. As tensões e os rancores do passado não podem acabar de um dia para o outro, mas se as relações dos Estados no Oriente Médio estiverem contidas num quadro permanente e contratualmente vinculativo, a paciente tarefa de reconciliação poderá avançar.”
Israel tem uma postura pragmática: estamos aqui e não pretendemos sair. Portanto, a única solução possível são acordos de paz com os países árabes. E não acordos de paz determinados por resoluções da ONU, mas alcançados através de conversações bilaterais, como adultos que podem ter as suas diferenças, mas conseguem resolvê-las em uma mesa de negociações. O problema dos refugiados (e, mais tarde, a questão da autodeterminação do povo palestino, que não foi abordado nessa resolução do CS) somente será resolvido com esforços conjuntos dos países envolvidos, dentro de um contexto de mútuo respeito. Não parece ser tão difícil de entender isso.
Os países árabes e a ONU sempre colocarão a questão da Palestina como o centro do conflito árabe-israelense. A partir desse ponto de partida não há solução para o conflito, porque essa visão implica necessariamente o fim do Estado de Israel. Israel propõe inverter a equação: primeiro os estados árabes reconhecem o direito de Israel existir em paz dentro de fronteiras mutuamente acordadas e, depois, a questão dos refugiados e, posteriormente, de um Estado palestino, pode ser discutida de maneira colaborativa. Isso vale até hoje. Veremos que o Egito, alguns anos mais tarde, irá liderar a fila de países árabes que entenderam que não havia outra saída racional.
Continuemos. A partir de 1970, as resoluções passam a subordinar a paz ao “respeito pelos direitos inalienáveis do povo da Palestina”. Trata-se, obviamente, de uma sentença cheia de viés, uma vez que, sem negar o direito dos árabes palestinos a um território, seria necessário também subordinar a paz ao respeito, por parte dos árabes, dos direitos inalienáveis do povo judeu, o que inclui o reconhecimento do Estado de Israel.
A Guerra do Yom Kippur, em outubro de 1973, fez com que o Conselho de Segurança da ONU aprovasse uma nova resolução, a 338, de 22/10/1973, que diz o seguinte:
“O Conselho de Segurança
1) Apela a todas as partes nos atuais combates para que cessem todos os disparos e cessem imediatamente todas as atividades militares, o mais tardar 12 horas após o momento da adoção desta decisão, nas posições que agora ocupam;
2) Insta as partes envolvidas a iniciarem imediatamente após o cessar-fogo a implementação da Resolução 242 (1967) do Conselho de Segurança em todas as suas partes;
3) Decide que, imediata e simultaneamente ao cessar-fogo, as negociações sejam iniciadas entre as partes envolvidas, sob os auspícios apropriados, destinadas a estabelecer uma paz justa e viável no Oriente Médio.”
O item 2 é o mais importante, pois remete à resolução 242, aquela que define o mútuo reconhecimento como condição para a paz na região. E, para desgosto dos árabes, não coloca a questão dos refugiados e da autodeterminação dos árabes palestinos como condição para “uma paz justa e viável no Oriente Médio”.
Esta resolução, ao lado da resolução 242, servirá de referência para as resoluções aprovadas pela Assembleia Geral daí em diante.
O próximo grande passo nas negociações de paz no Oriente Médio serão as conversações em Camp David em 1978 e a assinatura de um acordo de paz entre Israel e o Egito em 1979, tendo sido este o primeiro país árabe a reconhecer Israel. Aqui temos a concretização do modus operandi sugerido pelo embaixador israelense na reunião do Conselho de Segurança em 1967, transcrito acima, que justamente sugeria acordos de paz “diretamente negociados e confirmados contratualmente”.
No entanto, a Assembleia Geral da ONU não aprovou este movimento. A resolução 34/65(B), de 12/12/1979, diz literalmente o seguinte:
“A Assembleia Geral
1. Observa com preocupação que os acordos de Camp David foram concluídos fora do quadro das Nações Unidas e sem a participação da OLP, o representante do povo palestino;
2. Rejeita as disposições dos acordos que ignoram, infringem, violam ou negam os direitos inalienáveis do povo palestino, incluindo o direito ao regresso, o direito à autodeterminação e o direito à independência nacional e à soberania na Palestina, [...], e que preveem e toleram a continuação da ocupação israelense dos territórios palestinos ocupados por Israel desde 1967;
3. Condena veementemente todos os acordos parciais e tratados separados que constituem uma violação flagrante dos direitos do povo palestino, dos princípios da Carta e das resoluções adotadas nos vários fóruns internacionais sobre a questão palestina;
4. Declara que os acordos de Camp David e outros acordos não têm validade na medida em que pretendem determinar o futuro do povo palestino e dos territórios palestinos ocupados por Israel desde 1967.” (grifos meus)
Esta resolução foi aprovada com apenas 49% dos votos. O Brasil, assim como França, Espanha e Japão, se absteve. 33 países votaram contra, entre os quais Alemanha Ocidental, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Costa Rica, Dinamarca, Egito, Guiné Equatorial, Finlândia, Gabão, Guatemala, Haiti, Holanda, Honduras, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Paraguai, Portugal, Reino Unido, Rep. Dominicana, Suécia e Uruguai, além, é claro, de Estados Unidos e Israel.
O problema crucial dessa resolução é justamente subordinar qualquer tratado de paz entre Israel e os países árabes à solução do problema dos árabes na Palestina. Anwar Sadat chegou à conclusão de que se tratava de uma utopia, mesmo porque, como sabemos, a OLP, que a Assembleia da ONU exigia como parte em qualquer acordo, não reconhecia o direito à existência de Israel à época. Portanto, temos aqui uma contradição em termos: como Israel poderia negociar alguma coisa na mesma mesa em que um dos participantes não está disposto a aceitar a sua própria existência?
Anwar Sadat e Menachem Begin, juntamente com Jimmy Carter, receberam o prêmio Nobel da Paz por este acordo. Como vemos, a ONU conseguiu a façanha de condenar um acordo merecedor de um Nobel da Paz.
Em setembro de 1982, os países árabes aprovam, durante uma Conferência de Cúpula, um Plano de Paz Árabe, que consistia nos seguintes pontos:
1. A retirada de Israel de todos os territórios árabes por ele ocupados em 1967, incluindo a Jerusalém Árabe;
2. O desmantelamento das colônias estabelecidas por Israel nos territórios árabes desde 1967;
3. A garantia da liberdade de culto e realização de ritos religiosos para todas as religiões nos Lugares Santos;
4. A reafirmação do direito do povo palestino à autodeterminação e ao exercício dos seus direitos nacionais inalienáveis e imprescritíveis, sob a liderança da OLP, seu único e legítimo representante, e a indenização daqueles que não tenham o desejo de voltar;
5. A colocação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza sob a supervisão das Nações Unidas durante um período de transição não superior a alguns meses;
6. O estabelecimento de um Estado Palestino independente com Jerusalém como capital;
7. O estabelecimento, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, de garantias de paz entre todos os Estados da região, incluindo o Estado Palestino independente.
O único problema desse “plano” é que não é realmente um plano, mas uma carta de exigências, e que não tocam no único ponto importante para Israel: o reconhecimento de seu direito à existência como um Estado judeu dentro de fronteiras reconhecidas pelos estados árabes. Mas isso não impediu que o plano fosse “acolhido com satisfação” pela resolução 37/123(F) de 16/12/1982. Sem surpresas.
O próximo passo concreto das negociações se dá na Conferência de Madrid, em outubro de 1991. O timing dessa conferência não é aleatório. A conferência é preparada pelo então presidente George Bush após a campanha vitoriosa contra o Iraque na guerra do Golfo (em que foi apoiado pela maioria dos países árabes) e pouco antes do fim da União Soviética, que se daria em dezembro daquele ano. Os Estados Unidos passavam a ser a única superpotência e com aliados no mundo árabe, o que lhe permitiu organizar uma conferência ao gosto de Israel. Participaram delegações de Israel, Egito, Síria, Líbano e Jordânia, além dos Estados Unidos e União Soviética. Representantes dos árabes da Palestina não tiveram uma delegação, mas puderam participar dentro da delegação da Jordânia, o que foi um meio termo aceitável para ambas as partes. Esta Conferência em si não deu muitos frutos, mas abriu espaço para diálogos bilaterais que levaram aos Acordos de Oslo em 1993 e ao tratado de paz entre Israel e Jordânia em 1994.
Essa conferência foi citada na resolução 46/75, de 11/12/1991. Mas a mesma resolução afirma que a Assembleia Geral
“Considera que a convocação de uma Conferência Internacional de Paz no Oriente Médio, sob os auspícios das Nações Unidas, com a participação de todas as partes no conflito, incluindo a OLP, em pé de igualdade, e dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, com base nas Resoluções do Conselho 242 (1967) de 22/11/1967 e 338 (1973) de 22/10/1973 e nos legítimos direitos nacionais do povo palestino, principalmente o direito à autodeterminação, contribuiria para a promoção da paz na região.” (grifos meus)
Observe como qualquer coisa que não seja coordenado pela ONU sob os próprios termos da Assembleia Geral e em que os “direitos inalienáveis do povo palestino” não entrem na equação em primeiro lugar, são inválidos. A Assembleia Geral insiste em uma fórmula que começa a tentar resolver os problemas pelo seu lado mais difícil, impedindo o avanço em outras áreas, e que poderiam viabilizar a solução do problema dos árabes palestinos.
A resolução 47/12, de 29/10/1992, já muda o tom. Se a resolução anterior diz “Tomando nota da realização, em Madri, da Conferência de Paz no Oriente Médio”, esta afirma:
“Acolhendo com satisfação o processo de paz relativo ao Médio Oriente, iniciado com a convocação da conferência de Madrid em 1991, [...]”.
Vemos que a satisfação assume o lugar da quase indiferença.
Um ano depois, na resolução 48/59, de 14/12/1993, a ONU
“Toma nota com satisfação da convocação, em Madrid, da Conferência de Paz para o Médio Oriente, [...]”, mas “lamenta que uma paz justa e abrangente ainda não foi alcançada após dois anos de negociações em Washington, D.C.”.
O curioso é que esse lamento não orna justamente com o maior fruto da conferência, que foi o diálogo secreto bilateral entre Israel e a OLP, longe dos “auspícios das Nações Unidas”. Este diálogo irá resultar nos Acordos de Oslo, em setembro de 1993.
A resolução 48/40(A), de 10/12/1993 irá fazer menção pela primeira vez a esse acordo nos seguintes termos:
“Acolhendo com satisfação a assinatura pelo Governo do Estado de Israel e pela OLP da Declaração de Princípios sobre Acordos Provisórios de Autogoverno, em Washington, D.C., em 13/9/1993.”
O otimismo dava o tom, como neste trecho da resolução:
“Tomando nota do relatório do Comissário-Geral da UNRWA, abrangendo o período de 1/7/1992 a 30/6/1993, e, em particular, da esperança expressada pelo Comissário-Geral de ‘que este relatório abrange uma era que já passou para sempre’.” (grifo meu).
O tempo irá mostrar que este otimismo, infelizmente, foi precipitado.
Este acordo definia basicamente o seguinte:
· Artigo 3: Eleições para o Conselho Palestino em Gaza e na Cisjordânia (nas palavras do acordo, “estas eleições são consideradas um importante passo para a realização dos legítimos direitos do povo palestino” – o que nos leva a perguntar: por que precisaram de um acordo com Israel para realizar eleições?);
· Artigo 4: Os dois lados veem Gaza e a Cisjordânia como um único território;
· Artigo 5: Os seguintes itens serão discutidos nas negociações para um status permanente, que deverão se iniciar em, no máximo, 3 anos: Jerusalém, refugiados, colônias, arranjos de segurança, fronteiras, relações e cooperação com outros vizinhos. Ou seja, ficou quase tudo para ser discutido no futuro. Mas é assim que a coisa começa, um passo de cada vez;
· Artigos 6 e 7: Israel irá transferir poderes aos poucos para os palestinos nos territórios designados, até que, na posse do Conselho eleito, a administração israelense será dissolvida e substituída pelo Conselho;
· Artigo 7: de modo a poder governar, o Conselho irá estabelecer uma Autoridade Palestina de Eletricidade, uma Autoridade Palestina do Porto de Gaza, um Banco de Desenvolvimento Palestino, um Conselho Palestino de Promoção de Exportações, uma Autoridade Palestina do Meio-Ambiente, uma Autoridade Palestina Imobiliária e uma Autoridade Palestina para a Administração da Água. (Dá a impressão de que Israel deu o caminho das pedras para os palestinos para o estabelecimento de um Estado de verdade);
· Artigo 8: o Conselho eleito irá estabelecer uma força policial, ao passo que Israel se responsabilizará pela defesa externa. (É irônico que os palestinos deleguem a Israel a sua defesa externa...);
· Artigo 14: Israel se compromete a retirar suas forças militares de Gaza e da região de Jericó, na Cisjordânia;
· Anexos: os anexos tratam dos detalhes da transição do poder e da cooperação econômica entre as partes.
Dois anos depois, uma nova rodada de negociações resultou no que são conhecidos como os acordos de Oslo II. É de se notar que, após dois anos, os palestinos ainda não haviam conseguido realizar as eleições previstas no primeiro acordo. Essas eleições somente ocorrerão em janeiro de 1996. Nessas eleições, Yasser Arafat, o líder do principal partido palestino, o Fatah, foi eleito o primeiro presidente da Autoridade Palestina com quase 90% dos votos. Essa votação expressiva só foi possível porque o Hamas boicotou as eleições, já que não aceitava o acordo com Israel, a quem nunca reconheceu. Também houve eleições para o Conselho Legislativo, em que o Fatah fez larga maioria.
Além de determinar mais detalhadamente a estrutura de governo da Palestina, estes acordos definiram as áreas na Cisjordânia que deveriam ser transferidas para a jurisdição da Autoridade Palestina (áreas “A”), as áreas que seriam transferidas para a jurisdição da Autoridade Palestina, mas ainda contariam com a administração da segurança sob responsabilidade de Israel (áreas “B”), e as áreas que continuariam sob administração civil de Israel (área C). No mapa abaixo, podemos observar o status dessas áreas quando da sua definição, o que não está muito diferente do que é hoje.
Há inúmeras colônias israelenses na área C, o que torna o estabelecimento de um Estado palestino contíguo na Cisjordânia um desafio político de não pequena monta. Sem contar a questão de Jerusalém oriental, a que dedicamos o capítulo 9.
Em nenhuma das cerimônias de assinatura desses dois acordos a ONU se fez presente com um representante. Em 1993, a assinatura dos acordos de Oslo (formalmente Declaração de Princípios sobre Acordos Provisórios de Autogoverno) foi testemunhada por representantes dos Estados Unidos e da Rússia. Já o acordo de 1995 (formalmente Acordo Provisório Israelo-Palestino sobre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza) foi testemunhado por representantes dos Estados Unidos, Rússia, Egito, Jordânia, Noruega e União Europeia. Lembre-se que também não havia nenhum representante da ONU na Conferência de Paz de Madrid. Isso não impediu que a Assembleia Geral da ONU continuasse a se colocar como o palco principal das negociações de paz, como se, mesmo depois de anos de campanha contra Israel, pudesse ser aceita como um intermediário imparcial.
Essa falta de noção aparece, por exemplo, na resolução 51/23, de 4/12/1996, que
“Reafirma que as Nações Unidas têm uma responsabilidade permanente no que diz respeito à questão da Palestina até que a questão seja resolvida em todos os seus aspectos de forma satisfatória, de acordo com a legitimidade internacional.”
Ou seja, a ONU não abre mão de resolver o problema, mesmo que sua atuação seja irrelevante, ou mesmo contraproducente, para tal. A mesma resolução continua:
“A Assembleia
Considera que o Comitê sobre o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestino pode continuar a dar um contributo valioso e positivo aos esforços internacionais para promover a implementação eficaz da Declaração de Princípios sobre Acordos Provisórios de Autogoverno (acordos de Oslo) e para mobilizar o apoio e a assistência internacionais ao povo palestino durante o período de transição.”
Francamente, o que este Comitê, que nada mais é do que um lobby dos árabes junto à ONU, poderia contribuir para fazer avançar as negociações bilaterais?
Os acordos de Oslo serão seguidos por outros acordos menores, como o Acordo de Gaza-Jericó (1994), o Acordo de Hebron (1997), o Memorando de Wye River (1998), e o Memorando de Sharm el-Sheikh (1999). Todos os acordos da década de 90 visavam a concretização das determinações dos acordos de Oslo. Com base nesses acordos, Israel desocupou militarmente a faixa de Gaza, Jericó e Hebron, mas pouco avanço houve nas questões realmente fundamentais, o direito de retorno dos árabes e a questão de Jerusalém.
No ano 2000, o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, convidou os então líderes de Israel e da OLP para uma conferência de paz em Camp David, para tentar avançar nesses tópicos. Essa conferência falhou miseravelmente, com ambos os lados culpando o outro pelo fracasso. Logo em seguida, a segunda intifada teve início, levando a uma piora generalizada das condições para conversações de paz.
Em 2002, o presidente dos Estados Unidos, George Bush, patrocina um “Roteiro para a Paz”, e pela primeira vez propõe formalmente a solução de dois Estados. Esta proposta aparece pela primeira vez na resolução 1397, do Conselho de Segurança, de 12/03/2002, e é repercutida na resolução 57/110, da Assembleia Geral, de 3/12/2002. Mas o “Roteiro para a Paz” tem o mesmo destino das outras iniciativas.
Em fevereiro de 2005, após a morte de Yasser Arafat no final do ano anterior, o recém-eleito presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, encontra-se com o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon e, com a presença dos líderes do Egito e da Jordânia, promete o fim da intifada, o que põe fim ao ciclo de violência que teve início no ano 2000. O resultado desse encontro é o Acordo de Movimento e Acesso, assinado em novembro daquele ano, que entrega à Autoridade Palestina o controle da passagem de Rafah (na fronteira entre Egito e Gaza). Nesse contexto, Israel realiza a retirada unilateral das colônias israelenses de Gaza neste mesmo ano.
No início de 2006, o Hamas vence as eleições legislativas, tendo o direito de apontar um primeiro-ministro e formar um novo governo da Autoridade Palestina. Temos aqui o início de um conflito interno que irá desembocar no golpe de estado do Hamas em Gaza em 2007, tomando o poder e estabelecendo um governo independente da Autoridade Palestina.
É de se destacar os pendores democráticos dos árabes palestinos. Desde os Acordos de Oslo, os palestinos foram às urnas três vezes, em 1996 para eleger o presidente e os parlamentares, em 2005 para eleger o presidente (somente porque Arafat havia morrido) e em 2006 para eleger os parlamentares. E só. Mahmoud Abbas é o presidente da Autoridade Palestina desde 2005 e governa a Cisjordânia por decreto, enquanto o Hamas governa Gaza desde 2006 com mão de ferro. Talvez tivéssemos que pensar em uma solução de três Estados...
Voltando às conferências de paz. Após o Fatah ter perdido o controle de Gaza, Mahmoud Abbas e Ehud Omert, então primeiro-ministro de Israel, encontraram-se em Annapolis, Estados Unidos, em novembro de 2007 para continuarem a discutir os termos de um tratado de paz. Essas negociações naufragaram, como sempre, após mais um conflito na Faixa de Gaza, no final de 2008.
Depois disso, tentativas esparsas de retomada de conversações ocorreram em 2010 e em 2013, mas sem sucesso. Desde então, Israel já retomou e devolveu Gaza um par de vezes, os assentamentos israelenses na Cisjordânia só aumentaram e a Autoridade Palestina só tem autoridade no nome.
Encerrando esta série
Depois de tudo o que li e pesquisei, cheguei à conclusão de que a paz é impossível na região. Para entender por que, é preciso ter em mente que:
1) Israel está lutando contra um inimigo invisível. É impossível saber, somente pela cara, se uma pessoa é terrorista ou não. Os ataques terroristas no país somente diminuíram depois que Israel tornou a vida dos árabes palestinos um inferno.
2) Por trás do discurso de segurança, uma parte não desprezível dos judeus de Israel sonham com o “Israel Grande”, o reverso da “Palestina do Rio ao Mar”. Os assentamentos na Cisjordânia servem também a esse propósito.
3) Aos árabes é muito útil ter um “inimigo externo” que lhes dê um álibi para a incapacidade/falta de vontade de ajudar seus irmãos da Palestina.
4) Os árabes da Palestina não conseguiram construir uma unidade política. Em Israel, apesar das divisões, há um único governo.
5) Jerusalém é um imbróglio insolúvel. Enquanto Jerusalém for um dos problemas a serem resolvidos, não haverá solução para a equação.
6) O “direito de regresso”, como descrito na Resolução 194, é uma utopia. E utopias não têm aplicação no mundo das coisas práticas.
Desculpem-me terminar essa série com um tom mais pessimista. Espero sinceramente que as próximas gerações me desmintam.
Confira os artigos desta série:
1. Visão geral das votações – o grau de alinhamento dos países a Israel
2. O direito de regresso dos palestinos
3. Os direitos inalienáveis dos palestinos
4. A propaganda é a alma do negócio
5. A UNRWA
6. Israel, de amante da paz a pária internacional
9. Jerusalém
10. A busca pela paz